terça-feira, 20 de novembro de 2018

Livros lidos em 2018

O fim do ano se aproxima. Apesar de ainda haver um restinho de ano, acho que é um momento oportuno para fazer o balanço dos livros que li ao longo de 2018, tendo em vista que não devo ler mais que um ou dois até 31 de Dezembro.

Minha meta era que eu lesse trinta livros, com a única condição de que eu sentisse que, para cada livro lido, eu pudesse dizer que um Livro havia sido Lido, com os dois eles maiúsculos. Gibis ou revistas grossas estão fora, por exemplo, bem como livros que eu tenha apenas inspecionado um capítulo ou outro. Essa condicional foi inserida para que eu pudesse evitar a tentação do auto-engano, especialmente porque a motivação subjacente é de que eu possa ingressar no mundo da alta cultura, senão de maneira efetiva, ao menos de maneira honesta.

Não cheguei nem perto dos trinta, mas me consolo no fato de que nunca li tanto na minha vida. Além disso, nunca li tão bem, e nunca estive tão consciente do meu próprio analfabetismo literário. A última vez que tive essa consciência foi há 15 anos.

Sinto-me como se tivesse colocado minha humanidade dentro de uma caixa de sapatos, e esta dentro de um baú junto com outras ninharias, que por sua vez foi trancado e jamais aberto por muitos anos, tampouco descartado de uma vez, mas indo de um lugar ao outro conforme a vida nos exige que mudemos de endereço, seguindo aquilo que tem maior utilidade no momento, como um emprego ou algo assim. Quis a providência que eu me lembrasse dessa humanidade, e lá fui eu ao sótão da minha história resgatar essa caixa, já muito empoeirada, muito desgastada, mas iluminada mesmo assim.

Sim, há 15 anos atrás eu sabia da minha ignorância, e essa sabedoria havia se perdido. Hoje volto a ter essa consciência e, meu Deus, que deleite é essa sensação.

Vamos aos livros, na ordem em que os finalizei:


  1. Mortimer J. Adler – Como Ler Livros
  2. Olavo de Carvalho – O Mínimo Que Você Precisa Saber Para Não Ser Um Idiota
  3. Georges Bernanos – Diário De Um Pároco De Aldeia
  4. Lima Barreto – Recordações Do Escrivão Isaías Caminha
  5. Orígenes Lessa – O Feijão E O Sonho
  6. Homero – Ilíada
  7. William Shakespeare – A Megera Domada
  8. Leon Tolstoi – A Morte de Ivan Ilitch
  9. A. D. Sertillanges – A Vida Intelectual
  10. Machado de Assis – Memórias Póstumas de Brás Cubas
  11. Graciliano Ramos – Vidas Secas
  12. Pedro Siqueira – Todo Mundo Tem Um Anjo Da Guarda
  13. Machado de Assis – Histórias Sem Data
  14. Marcel Novaes – O Grande Experimento
  15. Fiodor Dostoievski – Crime e Castigo
  16. Viktor Frankl – Em Busca de Sentido

Como se vê, dei ênfase em literatura de ficção (nove de dezesseis) e, em particular, na literatura brasileira (cinco de nove). É uma reorientação drástica do meu hábito anterior de menosprezar a ficção como inútil, e a ficção brasileira como uma inutilidade de baixa qualidade.

Não é à toa. Uma boa história é aquela que poderia ter acontecido, e lê-la é vivê-la. Foi lendo Crime e Castigo que eu finalmente entendi que o criminoso é levado ao crime não necessariamente por doença da mente, mas por doença da alma. Foi lendo a Ilíada que eu entendi que os grandes homens também padecem dos sentimentos mais mesquinhos. Foi lendo Lima Barreto que eu entendi como é fácil se deixar alienar, independente de seu intelecto. E assim vivi não só a minha vida, mas também a de um assassino confesso, a de um semi-deus grego, a de um jornalista na época do império…

E voltando à questão da minha própria incapacidade literária: foi só quando cheguei no Dostoievski que, digamos assim, a tal da humanidade esquecida na caixa de sapato foi de fato recuperada. Li toda a primeira parte sem entender bulhufas. Na primeira leitura, não havia captado, por exemplo, que “Raskol” significa dividido em russo, que “Razum” significa razão, e que isso traz implicações simbólicas essenciais na mensagem que está sendo transmitida. Quantos símbolos não terei ignorado nos primeiros quatorze livros da lista? Será que os Li mesmo, com ele maiúsculo? Algo me diz que terei que reler todos os primeiros quatorze livros da lista algum dia.

E vale notar: se foi a Providência que me motivou a ir ao baú esquecido, foi Olavo de Carvalho quem me deu a chave para destrancá-lo, por meio de seu Curso Online de Filosofia. Devo muito também ao Francisco Escorsim, que me ajudou a desempoeirar a caixa de sapato. Que Deus os abençoe.

Negra Consciência


Pedro Américo - A Libertação dos Escravos (1889)

Por racismo entendo violência, isto é, agressão física, motivada etnicamente, a uma pessoa de etnia negra. Além disso, o brasileiro também entende como racismo ofensas a honra de uma pessoa pelos mesmos motivos. Eu também aceito essa definição, conquanto ache importante guardar o senso das proporções: assassinar alguém por sua cor de pele está bem distante de xingar alguém de macaco.
A situação real do Brasil, a qual qualquer pessoa que não esteja ideologicamente comprometida constatará facilmente, é que ainda acontece situações do segundo tipo, enquanto situações do primeiro tipo são muito raras. Além disso, o brasileiro reconhece a perniciosidade desse tipo de comportamento. Patrícia Moreira, que foi filmada em 2014 xingando um jogador de futebol de macaco, teve sua vida praticamente destruída.
O melhor caminho para enfrentar o problema real do racismo passa por reconhecer que o racismo vem de seu passado escravagista e as consequências que teve no imaginário do brasileiro. A escravidão era prática comum na África islâmica, e era dali que o português e o brasileiro compravam seus escravos. A conexão imaginária que era feita naquela época era simples: um africano, em terra brasilis, só poderia ser um escravo ou um alforriado. Machado de Assis, com Brás Cubas, e Lima Barreto, com Isaías Caminha, mostram como era ser um senhor de escravos ou um negro pouco após a abolição.
A distância entre a história de Brás Cubas, Isaías Caminha e Patrícia Moreira revelam a evolução pela qual passou o imaginário brasileiro desde a abolição em 1888. O africano deixou de ser um escravo para ser, em efeito, como qualquer outro em nossa sociedade. O direito de não ser diferenciado é o que garante hoje a dignidade do negro no Brasil, um dos países mais miscigenados do mundo.
O Movimento Negro atual, e a Esquerda que se apropriou dele, passam ao largo da situação real descrita acima. Para eles, a verificação de que os negros são maioria entre os pobres é suficiente para condenar, sem direito à defesa, todos os brancos pelo crime de racismo. Os mais bonzinhos gentilmente concedem que o crime é cometido inconscientemente. Naturalmente, estão excluídos do debate os brancos, e àqueles que não subscrevem a esta tese resta a generosidade de um Paulo Cruz ou outro intelectual negro com "consciência de causa" defendê-los. Isto se este tiver a disposição  de combater racismos verdadeiros que inevitavelmente sofrerá em decorrência.
A fórmula que tem dado certo por mais de um século é agora vilipendiada por aqueles que se dizem representantes dessa "classe oprimida". A solução, dizem eles, é forçar a correção, tratando o sintoma. O racismo estará sanado no dia em que todos os coortes da sociedade, em todas as suas estratificações possíveis, observarem a proporção exata das etnias existentes no todo. Não importa que os negros tenham igualdade de direitos: importa apenas que tenham igualdade de resultado, ainda que isso signifique a aproximação a um sistema de privilégios concedidos por força da lei a um grupo de selecionados. De que outra forma podemos chamar as cotas raciais e outros tipos de tratamento diferenciado? Além disso, o que era a escravidão senão um sistema de privilégios concedidos por força da lei?

Enquanto as consequências imediatas da escravidão são drasticamente diferentes daquelas das cotas raciais, o originador fundamental do imaginário racista continua. É assim que a Esquerda e o Movimento Negro reinventam a escravidão, e o fazem com motivações políticas. No processo, retrocede a sociedade e, com ela, o boi de piranha de toda a manobra: ninguém menos que o próprio negro.