terça-feira, 20 de novembro de 2018

Negra Consciência


Pedro Américo - A Libertação dos Escravos (1889)

Por racismo entendo violência, isto é, agressão física, motivada etnicamente, a uma pessoa de etnia negra. Além disso, o brasileiro também entende como racismo ofensas a honra de uma pessoa pelos mesmos motivos. Eu também aceito essa definição, conquanto ache importante guardar o senso das proporções: assassinar alguém por sua cor de pele está bem distante de xingar alguém de macaco.
A situação real do Brasil, a qual qualquer pessoa que não esteja ideologicamente comprometida constatará facilmente, é que ainda acontece situações do segundo tipo, enquanto situações do primeiro tipo são muito raras. Além disso, o brasileiro reconhece a perniciosidade desse tipo de comportamento. Patrícia Moreira, que foi filmada em 2014 xingando um jogador de futebol de macaco, teve sua vida praticamente destruída.
O melhor caminho para enfrentar o problema real do racismo passa por reconhecer que o racismo vem de seu passado escravagista e as consequências que teve no imaginário do brasileiro. A escravidão era prática comum na África islâmica, e era dali que o português e o brasileiro compravam seus escravos. A conexão imaginária que era feita naquela época era simples: um africano, em terra brasilis, só poderia ser um escravo ou um alforriado. Machado de Assis, com Brás Cubas, e Lima Barreto, com Isaías Caminha, mostram como era ser um senhor de escravos ou um negro pouco após a abolição.
A distância entre a história de Brás Cubas, Isaías Caminha e Patrícia Moreira revelam a evolução pela qual passou o imaginário brasileiro desde a abolição em 1888. O africano deixou de ser um escravo para ser, em efeito, como qualquer outro em nossa sociedade. O direito de não ser diferenciado é o que garante hoje a dignidade do negro no Brasil, um dos países mais miscigenados do mundo.
O Movimento Negro atual, e a Esquerda que se apropriou dele, passam ao largo da situação real descrita acima. Para eles, a verificação de que os negros são maioria entre os pobres é suficiente para condenar, sem direito à defesa, todos os brancos pelo crime de racismo. Os mais bonzinhos gentilmente concedem que o crime é cometido inconscientemente. Naturalmente, estão excluídos do debate os brancos, e àqueles que não subscrevem a esta tese resta a generosidade de um Paulo Cruz ou outro intelectual negro com "consciência de causa" defendê-los. Isto se este tiver a disposição  de combater racismos verdadeiros que inevitavelmente sofrerá em decorrência.
A fórmula que tem dado certo por mais de um século é agora vilipendiada por aqueles que se dizem representantes dessa "classe oprimida". A solução, dizem eles, é forçar a correção, tratando o sintoma. O racismo estará sanado no dia em que todos os coortes da sociedade, em todas as suas estratificações possíveis, observarem a proporção exata das etnias existentes no todo. Não importa que os negros tenham igualdade de direitos: importa apenas que tenham igualdade de resultado, ainda que isso signifique a aproximação a um sistema de privilégios concedidos por força da lei a um grupo de selecionados. De que outra forma podemos chamar as cotas raciais e outros tipos de tratamento diferenciado? Além disso, o que era a escravidão senão um sistema de privilégios concedidos por força da lei?

Enquanto as consequências imediatas da escravidão são drasticamente diferentes daquelas das cotas raciais, o originador fundamental do imaginário racista continua. É assim que a Esquerda e o Movimento Negro reinventam a escravidão, e o fazem com motivações políticas. No processo, retrocede a sociedade e, com ela, o boi de piranha de toda a manobra: ninguém menos que o próprio negro.

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